sábado, 27 de outubro de 2007

Festa de Babette


Tenho um ritual, que sempre se dá aos sábados, dia em que estou em casa e tenho mais tempo para meus afazeres – ir à Fox vídeo, uma vídeolocadora aqui em Belém (que me perdoem as grandes locadoras, com filiais em todo o Brasil, – e por sinal sou sócia de todas – mas só na Fox encontro umas raridades, clássicos que adooooooro ver.


Mas hoje, em especial, decidi ir à Fox, determinada a encontrar um filme que vi uns 18 anos atrás, ainda criança – A Festa de Babette. E assim foi feito.
Para assistir “A Festa de Babette”, não resisti a um bom vinho tinto e o resultado...
Babette era uma refugiada francesa, que procurou abrigo na costa da Dinamarca, em um vilarejo perdido no mapa e foi parar na casa das irmãs Philippa e Martina, duas senhoras idosas, muito religiosas e responsáveis por manter a seita, fundada pelo pai, um pastor rígido, de hábitos duros.


Passados 14 anos desde esse primeiro encontro, Babette ganha na loteria francesa – 10 mil francos (uma pequena fortuna), justamente no ano em que planeja-se comemorar o centenário de nascimento do pastor. As irmãs, entretanto, não dispõem de recursos, a seita está fragilizada por anos de desavenças e diferenças e eis que Babette, já com o dinheiro em mãos, propõe oferecer um jantar, tipicamente francês, às duas senhoras e seus convidados.


E é aí, que o deleite começa – Babette viaja para Lille, na França, onde encomenda os ingredientes e provisões para o jantar. Com alguma surpresa assisti a cena em que chega um navio, com as encomendas de Babette: uma cabeça de boi, uma tartaruga gigante, codornas, temperos, louçaria, muitas caixas com vinho e itens que desafiam as limitações (ainda que fictícias) da época.


No dia 15 de novembro (data do centenário de nascimento do pastor), Babette nos brinda com pratos magníficos:


Entrada:
- Potage de Tortue (consomé de tartaruga). Vinho: Jerez. (Ao provar o vinho encorpado e seco, o general estala a língua e decifra a preciosidade espanhola: "Amontillado!")
- Blinis Demidof – procurei na internet e não há um prato típico francês, com esse nome. Sabe-se que blinis são panquecas. O Blinis Demidof, panqueca com creme azedo e caviar, é acompanhado com Champagne Brut Veuve Clicquot, safra 1860 (uma raridade)


Prato principal:
- Cailles en Sarcophage à la Sauce Perigourdine, cordonas recheadas de foie gras e trufas negras, acomodadas em vol-au-vents. Merecidamente, o vinho foi um Clos Vougeot, 1845.
- Salada verde, com lascas generosas de queijo, molho, azeite de oliva e nozes.


E o nocaute vem com as sobremesas: Baba ao Rhum, frutas frescas e café, arrematado com Marc Fine Champagne.


Achou pouco?
Não é. Se você levar em consideração que a frieza e a rigidez da tal seita, fizeram com que seus adeptos jurassem não elogiar o banquete – porque seria pecado. Mas é irresistível ver que, pouco a pouco, o vinho aqueceu-lhes o espírito e foram baixando, um a um, seus escudos de proteção.
Costumo me apaixonar por filmes e poucos conseguem emanar esse sentimento que transcende a mensagem óbvia: a comida não alimenta o corpo, somente. A comida alimenta a alma e é nesse momento que nos permitimos viver amores sem culpa.
Com o espírito enriquecido pelo vinho e a alma alimentada por sabores não-triviais, as palavras ocorrem mais facilmente.
As últimas cenas do filme resumem toda essa “transcendência”, quando os religiosos, agora despidos de qualquer teimosia, dançam e cantam sob o céu estrelado, perdido, na Dinamarca e Philippa diz a Martina: “A noite está tão estrelada hoje”, ao que a outra lhe responde: “é nosso Senhor, brincando em seu céu”.É quando temos a revelação de Babette, ex-chef de cozinha do café Anglais, em Paris. Não sei de quem é essa frase, mas ela me agrada muito, muito mesmo: “Deus existe até nos mais simples ensopados”. Babette é uma obra de arte.

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